Nota pública sobre o direito ao trabalho digno das Pessoas com Deficiência 23/01/2023 - 16:08
O Conselho ESTADUAL EM DEFESA dos Direitos das Pessoas com Deficiência – COEDE, conforme dispõe a lei 18.419 de 07 de janeiro de 2015, é um órgão de deliberação colegiada, composto paritariamente por representantes do Governo Federal e da Sociedade Civil, vinculado à secretaria de estado da Família e desenvolvimento social do estado do Paraná, cujas competências dentre outras são acompanhar, propor, formular e avaliar políticas públicas, bem como defender em âmbito estadual, os direitos das pessoas com deficiência. Em plenária do Conselho Estadual dos direitos das pessoas com deficiência COEDE, após avaliar a gravidade dos relatos encaminhados por áudio, o colegiado deliberou pela publicação de uma nota de preocupação e esclarecimento, afirmando que o trabalho para as pessoas com deficiência é um direito constitucional e determinadas manifestações preconceituosas constituem-se crime por discriminação, já tipificado na legislação. O trabalho é uma atividade humana produtiva e um direito fundamental de qualquer pessoa, com ou sem deficiência. Isso é o que afirma a Constituição Federal - CF de 1988, a Lei 8.213 de 1991 e a Lei 13.146 de 2015. Entretanto, do ponto de vista histórico e cultural, as pessoas com deficiência sempre foram e continuam sendo, mesmo nos dias de hoje, vistas e compreendidas como invalidas, incapazes, improdutivas e inúteis. É justamente por isso que, mesmo na atualidade, não obstante um aparato legal e institucional já muito bem firmado e estabelecido, esta força de trabalho continua sendo recusada por algumas empresas que vão ao mercado em busca de trabalhadores e trabalhadoras, Numa premissa questionável, segundo o qual as pessoas com deficiência não estão preparadas e qualificadas para o mercado de trabalho, se não todas, mas a enorme maioria das empresas que devem contratar por força legal, colocam todos os obstáculos possíveis e utilizam-se de todos os artifícios com a nítida intenção de continuar excluindo as pessoas com deficiência do direito ao trabalho. Não obstante, essas empresas ferem a legislação e continuam produzindo e reproduzindo o preconceito historicamente enraizado na nossa cultura. A cultura da invalidez social, fundada na ideia de que as pessoas com deficiência são improdutivas e ainda por cima geram gastos adicionais às empresas, precisa ser definitivamente superada pelas organizações e corporações empresariais, preocupadas e engajadas em projetos de responsabilidade social. Diante desta realidade, com a intenção de evidenciar, destaca-se alguns dispositivos legais. No que diz respeito à CF: "IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (Art. 3). "XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;..." (Art. 7). "VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão" (Art.37). No setor privado, o artigo 93 da Lei Federal nº 8213, de 1991, prevê: "Art. 93 A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I - até 200 empregados.........................................................2% II - de 201 a 500....................................................................3% III - de 501 a 1.000................................................................4% IV - de 1.001 em diante........................................................5%". A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, regulamentada pela Lei Brasileira da Inclusão (LBI) - Lei 13.146 de 2015, também aborda o direito ao trabalho, nos termos do Artigo 37: "Art. 34. A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. § 1º As pessoas jurídicas de direito público, privado ou de qualquer natureza estão obrigadas a garantir ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos. § 2º A pessoa com deficiência tem direito, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo a igual remuneração por trabalho de igual valor. § 3º É vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como a exigência de aptidão plena. § 4º A pessoa com deficiência tem direito à participação e ao acesso a cursos, treinamentos e educação continuada, planos de Carreiras, promoções, bonificações e incentivos profissionais oferecidos pelo empregador, em igualdade de oportunidades com os demais empregados. § 5º É garantida aos trabalhadores com deficiência a acessibilidade nos cursos de formação e capacitação". Além desses dispositivos, existem outras dezenas de leis e outras tantas normas prevendo e regulamentando o direito ao trabalho das pessoas com deficiência. Entretanto, todo o aparato legal e institucional, de amplo conhecimento social, as empresas continuam recusando a força de trabalho das pessoas com deficiência, em especial, daquelas que apresentam condições mais restritivas e limitadoras, no exercício das funções profissionais, porque os locais e os equipamentos de trabalho, não estão adaptados e preparados, conforme exige a legislação e as normas técnicas de acessibilidade. Hoje, já não é mais possível aceitar sem reservas os argumentos da falta de conhecimento da legislação e da falta de sensibilização das empresas e dos empresários. O que estamos observando na atualidade são atitudes, posturas, comportamentos e práticas preconceituosas e discriminatórias, sem nenhum pudor, restrições, medo de desaprovação social ou sanções legais. Também já não é mais possível aceitar o falso argumento da falta de qualificação pessoal e profissional das pessoas com deficiência. Sem pretender traçar comparações, a situação das pessoas com deficiência é parecida com a situação dos jovens em busca da primeira oportunidade de trabalho. Como jovens e pessoas com ou sem deficiência, podem apresentar experiências de trabalho, se nunca tiveram a oportunidade de trabalhar, justamente porque as empresas continuam negando esta primeira oportunidade de trabalho? Evidentemente que a situação das pessoas com deficiência ainda é mais grave, por razões sociais, históricas e culturais. A falta de políticas públicas efetivas, que garantam serviços básicos essenciais na formação educacional/profissional/habilitação/reabilitação das pessoas com deficiência, junto com uma concepção clínica/caritativa que reforça e reproduz a invalidez social dessas pessoas, aliado com uma visão utilitarista e meramente lucrativa das empresas, juntas e somadas, colocam barreiras praticamente intransponíveis para enorme maioria das pessoas com deficiência que necessitam e gostariam de trabalhar. Evidentemente que este Conselho coloca-se no lugar e junto com aquelas empresas que, de fato, de forma honesta e transparente, buscam e realmente encontram dificuldades na localização de pessoas com deficiência, dentro de um certo perfil pessoal e formação profissional. Por outro lado, já não é mais possível aceitar sem nota de repúdio, as constantes e sistemáticas práticas e atitudes eivadas de preconceitos, denegrindo a imagem coletiva do segmento das pessoas com deficiência, num tema tão emblemático e de vital importância, como é o caso do direito ao trabalho. Nesta perspectiva, é sempre bom lembrar e ressaltar a função social da propriedade privada, registrada na CF de 1988. "XXIII - a propriedade atenderá a sua função social..." (Art. 5). Quando a reserva de vagas no mercado de trabalho para as pessoas com deficiência, foi pensada e garantida na CF de 1988 e na Lei 8.213 de 1991, o objetivo era garantir trabalho para aquelas pessoas que realmente encontravam maiores dificuldades de colocação, em razão de condições e realidades bastante específicas (grau acentuado da deficiência, barreiras sociais e culturais, etc.). Hoje, o que vemos são as vagas da reserva sendo ocupadas por pessoas reabilitadas, em razão de doenças adquiridas no exercício das próprias funções profissionais. Quando vagas são destinadas às pessoas com deficiência, o que constatamos são, como regra geral, as empresas buscando e dando preferência para aquelas pessoas com deficiência chamadas leves, aquelas que não exigem adaptações, o uso de tecnologias assistiva e nem tampouco causam transtornos nas relações com os demais colaboradores. Numa Conferência Nacional sobre os Direitos das Pessoas com deficiência, já apareceu proposta, propondo criar uma cota dentro da cota, quer dizer, dentro da reserva, criar uma reserva somente para aquelas pessoas com deficiência mais acentuadas. Isso é apenas um exemplo do quão este segmento de pessoas com deficiência, vem encontrando dificuldade de colocação no mercado de trabalho, em parte, por puro preconceito, mas também porque as empresas continuam fazendo comparações indevidas exigindo dos trabalhadores e trabalhadoras com deficiência, capacidades e habilidades produtivas que não são possíveis de comparações com trabalhadores e trabalhadoras sem deficiência. Está triste realidade ainda presente, revela e coloca para o COEDE e para os conselhos municipais de defesa dos direitos das pessoas com deficiência, um desafio muito maior, mais amplo e mais complexo, no sentido de identificar e fazer os devidos e necessários encaminhamentos, na busca de punir com firmeza e rigor, aquelas poucas empresas e empresários que ainda não compreenderam que a inclusão social, o respeito à diferença e a pauta da diversidade humana, representa uma conquista civilizatória da humanidade. Nesta empreitada, o COEDE apoia e reitera a necessidade e a importância de uma atuação firme e contundente do Ministério Público do Trabalho e demais órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização sobre o cumprimento da Lei de cotas no setor privado - Lei 8.213 de 1991. Necessário destacar mais dois dispositivos da LBI - Lei 13.146 de 2015: "Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação. § 1° Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou exercício dos direitos e liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e do fornecimento de tecnologias assistiva". "Art. 88. Praticar, induzir ou incitar a discriminação de pessoa em razão de sua deficiência: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa. § 1º A pena será aumentada de 1/3 (um terço) se a vítima encontrar-se sobre os cuidados e responsabilidades do agente. § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa. § 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: I - o recolhimento ou a busca e apreensão dos exemplares do material discriminatório; II - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores. § 4º Na hipótese do § 2º deste artigo, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido". De fato, determinadas empresas, por determinadas práticas, estão efetivamente cometendo crime de discriminação, por preconceito em razão da deficiência. Combinando-se a redação do Artigo 4 com a redação do parágrafo primeiro do mesmo Artigo da Lei 13.146 de 2015, fica evidenciado que as comparações com fins de restringir ou impedir o exercício do direito ao trabalho, por parte das pessoas com deficiência, constitui-se crime que precisa ser investigado e devidamente punido. Com este posicionamento e esclarecimento, o COEDE espera e incentiva que, todas as pessoas, com ou sem deficiência, as organizações sociais, os órgãos governamentais, sempre que constatado a evidencia da prática do preconceito contra pessoas com deficiência, encaminhem as denuncias para que elas possam ser apuradas e, uma vez constatado indícios de violação de direitos, as providencias legais cabíveis sejam tomadas. Não obstante, se faz necessário e importante fazer um esclarecimento aos usuários das redes sociais, sobretudo, aqueles que utilizam-se dessas ferramentas para manifestarem seus ódios, preconceitos e praticarem crime por discriminação contra as pessoas com deficiência. Isso é muito mais grave e repudiável quando se trata de dirigentes de empresas ou de pessoas ou profissionais que ocupam cargo ou posição de destaque nas organizações e corporações empresariais. O COEDE reconhece, apoia, estimula e incentiva todas aquelas iniciativas positivas e afirmativas tomadas por muitas empresas que não medem seus esforços, na busca de encontrar, qualificar e contratar a força de trabalho das pessoas com deficiência. No sentido inverso, o COEDE, como órgão de defesa de direitos das pessoas com deficiência, repudia todas as formas, expressões ou manifestações, cujo propósito seja denegrir a imagem individual e coletiva das pessoas com deficiência. Uma coisa é o fato de determinadas empresas não conseguirem encontrar pessoas com deficiência para ocuparem vagas da reserva. Outra, totalmente e absolutamente diferente, é quando essas empresas ou seus diretores acham-se no direito e no dever, da utilização das redes sociais como forma de manifestação dos seus preconceitos contra pessoas com deficiência.